Dias atrás me chamou a atenção uma matéria sobre a uva Riesling – para aqueles que não sabem é a uva emblemática da Alemanha – que dizia que ela era um sucesso de crítica, mas um fracasso de público e isso se devia a alguns vinhos malfadados do passado, entre eles um certo Liebfraumilch. Esse vinho, no entanto, teve um papel fundamental no atual cenário vinífero brasileiro. Explico: até meados dos anos de 1980 os poucos vinhos que havia no mercado eram os famosos Sangue de boi, que tomávamos ao redor das fogueiras ao som de um violão, ou os gaúchos de nomes franceses, como o Clos de Noble, Conde de Foucauld entre eles. Aliás, lembro perfeitamente que aos dezessete anos de idade, depois de jantar com uma namorada, liguei para o meu pai dizendo que havia tomado um vinho francês, ao que ele respondeu: “ Chateau Duvalier”! Exatamente, disse eu (risos).
Entre os importados a situação não era muito melhor; alguns portugueses como o famoso Casal Garcia ou o Calamares ou no máximo, para os mais abastados, os vinhos que traziam nas malas, de suas viagens à Europa. Tudo mudou quando o então presidente Fernando Collor de Melo, ao voltar de uma viagem aos Estados Unidos, disse que os nossos carros eram “carroças”. E eram mesmo. A partir daí ele abriu o mercado brasileiro às importações de diversos produtos. Entre os importadores estava um certo Hugo Piva, fundador da Expand, a primeira importadora de vinhos no Brasil. Um dia ele teve a ideia de trazer o Liebfraumilch, do qual falei anteriormente. Além disso pediu aos produtores alemães que o envazassem em garrafas azuis. Foi como um ímã para os nossos olhos; além disso seu paladar leve, refrescante e de baixo teor alcoólico agradou de imediato aos brasileiros pouco afeitos a tomar vinho. Ele passou a ser consumido em praticamente todas as grandes festas. Em pouquíssimo tempo chegou aos restaurantes e prateleiras dos supermercados. Rapidamente chegaram novos rótulos e passamos a ter mais opções.
O Chile, que já produzia bons vinhos, investiu ainda mais na qualidade; na Argentina a uva Malbec se adaptou muito bem, assim como a Tannat no Uruguai, e logo se tornaram emblemáticas nesses países. No Brasil, onde plantando tudo dá, descobrimos um enorme potencial para os brancos e também para várias castas tintas francesas e italianas. Por isso não é exagero dizer que se hoje muita gente hoje aprecia e toma vinhos com regularidade, aprendeu com o Liebfraumilch, o famoso alemão da garrafa azul.
Uma última curiosidade sobre ele: Muita gente sempre traduziu seu nome erroneamente como “leite da mulher amada”, mas na verdade significa monge de nossa senhora”. Inclusive, ao observarmos atentamente o rótulo veremos a imagem de Nossa Senhora e de um monge. Portanto, um brinde a esse vinho malfadado, mas que teve tanta importância para nós.

Renato Justo
Chef de Cozinha
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