
Como em muitos segmentos da vida – Roupas, sapatos, música, vocabulário e outros- a gastronomia não é imune aos modismos. Da nouvelle cousine dos anos 70 passando pela cozinha molecular que desconstruía os alimentos, do chef espanhol Ferran Adriá e seus menus de 15 micro pratos até chegarmos à cozinha fusion dos dias atuais que mistura a culinária de vários países, vivemos um momento de muita criatividade com combinações inusitadas e algumas são realmente interessantes e muito saborosas. No entanto, são pratos que na maioria das vezes esquecemos dele logo após deixarmos o restaurante, mas por que isso? Na verdade, não são reconfortantes, satisfazem a curiosidade, o estômago, mas não o espírito. O ser humano em sua busca pelo novo e por algo melhor muitas vezes esquece do passado, não que devemos viver nele afinal a vida é para frente e quem vive de passado é museu, mas mudanças e futuro não são necessariamente sinônimos de melhoria. Se assim fosse não teríamos incorporado ao nosso cotidiano o “Filé a stroganoff ou simplesmente estrogonofe, um prato criado há quase duzentos anos e que chegou em terras canarinhas nos anos 50 e por muitos anos foi o preferido dos casamentos e nem o hambúrguer cujas origens remontam ao século XIII e que hoje ganhou versões gourmet e praticamente tropeçamos e hoje já existem diversas hamburguerias. Outro dia fui almoçar com a minha tia e para minha surpresa e deleite ela fez um filé à francesa acompanhado de um delicioso arroz à grega. Para aqueles que não sabem ambas as guarnições, apesar do nome foram inventadas por nós. O filé à madeira cujos habitantes dessa possessão ultramarina portuguesa desconhecem normalmente vem acompanhado de arroz à piemontese igualmente desconhecido no Piemonte. Mas o que isso tem a ver com o tema da coluna? São pratos em desuso nos restaurantes e também no nosso cotidiano e um dia foram sucesso nas mesas mais refinadas da cidade e que nos remetem ótimas lembranças. Fazer um bom filé à francesa é realmente muito fácil, um arroz à grega, idem. O arroz à piemontese, que provei pela primeira vez com seis ou sete anos de idade já demanda um pouco mais de cuidado para acertar o ponto, mas nada demais e já que estamos falando de clássicos tirei para vocês, do fundo do baú um dos pratos mais antigos dentre os conhecidos o Filé a Wellington.
Esse clássico da gastronomia tem origem inglesa e foi criado em homenagem a Arthur Wellesley, nomeado primeiro Duque de Wellington e vencedor da batalha de Waterloo que marcou a derrocada definitiva das tropas napoleônicas. Dizem os franceses, certamente mordidos pela derrota que o prato é uma cópia do Filé em croute, francês. É um filé recheado com de foie gras ou patê de fígado de frango e envolto em um crepe de cogumelos e depois em massa folhada. O acompanhamento pode variar, mas como os ingleses amam batatas vamos fazer batatas salteadas com aspargos frescos.
Primeiro pegue 1 kg de fígado e um peito de frango e tempere com sal/pimenta do reino e ramos de tomilho. Em seguida 200 ml de vinho do porto e 100 ml de cognac. Deixe marinando por 24 horas. Retire a marinada e reserve. Salteie o frango em banha de porco, passe no processador, enrole em filme plástico e leve ao freezer por 24 horas. Se quiser você pode comprar 500 g de patê de frango e congelar. Pegue agora uma peça de filé, tempere com sal e pimenta e sele na manteiga. Reserve na geladeira. Salteie 1 kg de cogumelo Paris com bacon, alho e salsa. Faça um crepe grande ou use dois crepes e disponha os cogumelos em cima. Retire o patê do filme e recheie o filé. Coloque o filé sobre os cogumelos e enrole bem. Ao fazer isso nós vamos manter a umidade da carne dentro dela e impedir que passe para a massa folhada. Cubra com a massa folhada – eu adoro Arosa-, pincele com uma gema e leve à geladeira por vinte minutos. Asse em forno a 220 graus até dourar. Pegue 800 g de batatas pequenas e cozinhe. Enquanto isso vamos ao molho: esquente 400 ml de fundo de carne – use o de caixinha mesmo- com a marinada do frango. Na hora de servir junte um pouco de manteiga gelada. Corte as batatinhas ao meio e salteie com os aspargos. Retire o filé do forno, sirva com as batatas e o molho. Trabalhoso? Sem dúvida, mas prazeroso e o resultado é sensacional. Quando eu servia esse prato no meu bistrô, o La Provence era apenas como uma sugestão de sexta e sábado e começava na quarta marinando o frango. Para acompanhar, um merlot ou carmenére chilenos.
Eu poderia escrever um livro sobre os pratos clássicos, suas origens e receitas. Para aqueles que têm a gastronomia como profissão ou tão somente por paixão é sempre um prazer maravilhoso executá-los. Bom apetite.
Chef de Cozinha
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